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Em Atalaia do Norte, população convive com desemprego e violência

Apenas 7% da população de 15 mil habitantes estava ocupada em 2020

Em Atalaia do Norte, população convive com desemprego e violência

Para ingressar no Vale do Javari, o visitante precisa percorrer algumas cidades do Amazonas. Depois de chegar a Tabatinga, onde fica o aeroporto mais próximo, é preciso pegar uma embarcação para Benjamin Constant e, de lá, um carro para Atalaia do Norte. Tudo isso em meio à imensidão da maior floresta tropical do mundo e próximo à Tríplice Fronteira Amazônica, região de intensos conflitos por conta do tráfico de drogas e de interesses fundiários.

A distância entre os municípios de Benjamin Constant e Atalaia do Norte, onde fica a sede da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), é de cerca de meia hora de carro, quando não há chuva para atrasar a viagem.

Nos arredores e na estrada que liga as duas cidades o que não faltam são símbolos de quem detém o poder: loja maçônica, unidade da Igreja Universal do Reino de Deus, da Assembleia de Deus e de outras congregações religiosas estão sempre presentes na paisagem.

Ainda na estrada, um tuk-tuk, espécie de triciclo motorizado, esmaga latinhas de refrigerante e cerveja, na pista de sentido contrário. Uma escavadeira revolve lixo jogado sobre a grama, a céu aberto, em meio a urubus. No extremo Norte do país, é possível constatar que Atalaia divide alguns dos problemas vistos em grandes centros urbanos.

A paisagem muda pouco, na comparação com Tabatinga, aonde chegam e de onde partem catraias, pequenas embarcações que parecem lanchas, rasgando o rio. Em Atalaia, a maioria de casas é de madeira. Algumas são de palafita, que ficam sobre uma água escura. Perto do porto, quando o comércio vai dando as caras, há mais imóveis com vidros nas janelas, o que, depois de uma caminhada para o interior da cidade, mostra-se uma raridade. Não há bueiros por onde se pode escoar a água das chuvas. E é grande o número de imóveis com construção pela metade.

Atalaia do Norte é a cidade natal das irmãs Karla* e Patrícia*, que vivem na pele alguns dos dramas que atingem o município. Karla é vítima de violência doméstica e conta que, quando convivia com o marido, era agredida de forma constante e impedida de trabalhar por ciúmes excessivos.

Depois de diversos episódios, ela decidiu denunciar o companheiro, que foi levado pela polícia à delegacia. Na unidade, ele cometeu suicídio. Karla conta que tem dificuldade de aceitar o fato e que sentiu um julgamento, por parte da sociedade local, pela morte do marido.

“No dia em que aconteceu, ele estava quebrando tudo dentro de casa, e as minhas duas crianças presenciando tudo. Foi quando eu falei que ia ligar para a polícia, porque ele não estava nem ouvindo a mãe dele, que tentou acalmá-lo. Foi quando vieram, ele estava detido”, relembra.

“Quando voltaram, me deram a notícia de que ele tinha se suicidado, sendo que ninguém viu. A gente saiu daqui [da cidade de Atalaia]. É como se eu tivesse matado ele. À noite, os policiais me levaram pra Benjamin, pelo rio, porque falaram que algumas famílias estavam atrás de mim, para me matar. Quando cheguei, minha tia me escondeu, como se eu realmente tivesse feito aquilo. Já iam me mandar para o Peru. Eu vi pouca coisa do velório dele”, relata.

Karla comenta que tinha intenções de se separar do marido, quando fez a denúncia, e que as agressões tiveram início durante a gravidez do primeiro filho, que tem 8 anos de idade, quatro de diferença do mais novo. Ela afirma também que, na época, não tinha noção da dimensão da violência a que o marido a sujeitava.

“Minha mãe sabia, mas eu ligava e ela falava que isso só ia aumentando. A gente se separava, eu acabava voltando. Ela falava que aquilo ali, uma hora, ia dar em tragédia”, acrescenta. “Aqui ainda acontece muito esse tipo de violência, por mais que seja inacreditável.”

Depois da morte do marido, que completou 3 anos, Karla decidiu fazer um curso técnico de enfermagem. Contudo, ainda enfrenta obstáculos para conseguir um emprego – que ela atribui, em parte, ao imaginário da sociedade local de que ela seria a culpada pela trágica morte do companheiro. Pesam também fatores como o índice de desemprego da região e a ocupação de vagas por indicações políticas.

No currículo de Karla, constam apenas bicos, nada de carteira assinada. Um retrato que também é visto nos dados oficiais do país. Em 2022, o número de pessoas sem carteira de trabalho assinada aumentou 14,9% em relação a 2021 e chegou a 12,9 milhões, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em Atalaia do Norte, apenas 7% da população de 15 mil habitantes estava ocupada em 2020, segundo o IBGE.

Para garantir comida na mesa aos dois filhos, ela recebe auxílio estadual. “Vontade de sair daqui, já tive”, desabafa. “Aqui é muito sobre política.”

Violência sexual

Enquanto aguarda um emprego para garantir autonomia financeira, Karla conta com o apoio da família. Sua irmã, um ano mais nova, é uma das pessoas que garantem esse suporte, mas que também enfrenta dificuldades para conseguir espaço no mercado formal de trabalho.

Patrícia foi para o Peru duas vezes em busca de oportunidades de emprego.

A primeira vez, em 2014, durou pouco, por falta de uma rede de contatos no país vizinho. Na segunda tentativa, em 2019, ela conheceu o atual marido. Juntos, abriram uma confecção de roupas que foi à falência. Para tentar salvar o negócio, pegaram dinheiro emprestado de um agiota, mas não conseguiram ter sucesso.

Hoje, Patrícia tem como fonte de renda o dinheiro que junta com a venda de bolos. “É difícil ele [o marido] conseguir emprego aqui, ele não fala o idioma”, conta.

Além da semelhança com relação à falta de perspectiva profissional, as irmãs dividem um triste histórico: são vítimas de violência de gênero. Patrícia conta que começou a sofrer abuso sexual, por parte de um vizinho, aos 8 anos. Mas não consegue se lembrar de quando as agressões terminaram. Seu único filho, de 11 anos, é fruto de estupro.

Hoje, Patrícia faz acompanhamento psicológico. “Eu procurei ajuda porque chegou um tempo em que eu pensei em tirar a minha vida, por conta desse assunto, porque as pessoas sempre me fazem sentir culpada por isso.”

Para ela, políticas públicas de proteção a crianças e adolescentes são fundamentais para evitar que casos como o seu se repitam. “Às vezes, a pessoa não é presa, por falta de provas. Mas que provas? A pessoa está ali contando a história dela. Ninguém vai inventar isso”, acrescenta.

Ao longo da última década (2012 a 2021), 583,1 mil pessoas foram vítimas de estupro e estupro de vulnerável no Brasil, segundo os registros das polícias. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, apenas em 2021, 66.020 boletins de ocorrência de estupro e estupro de vulnerável foram registrados no Brasil, taxa de 30,9 por 100 mil e crescimento de 4,2% em relação ao ano anterior.

A violência sexual no Brasil é, na maioria das vezes, um crime perpetrado por algum conhecido da vítima, parente, colega ou mesmo o parceiro íntimo: 8 em cada 10 casos registrados no ano passado foram de autoria de um conhecido, segundo o Anuário. O fato de o autor ser conhecido da vítima torna o crime ainda mais complexo e a denúncia, um desafio para as vítimas.

No Brasil, 9 em cada 10 vítimas de estupro tinham no máximo 29 anos quando sofreram a violência sexual. Há ainda forte concentração desse crime na infância: 61,3% de todas as vítimas eram crianças e adolescentes entre 0 e 13 anos.

Depois da publicação desta reportagem pela Agência Brasil, a prefeitura de Atalaia do Norte emitiu nota na qual repudia a matéria afirmando que utiliza “dados obsoletos e imprecisos e situações pontuais para criar uma realidade que não é verdadeira”. A nota, entretanto, não fornece dados atuais.

“Todos sabem que Atalaia do Norte tem avançado significativamente nos últimos anos, desde que a atual gestão assumiu a administração do município em janeiro de 2021. Atalaia do Norte foi recebida pelos gestores em situação de abandono e paralisação dos serviços públicos mais básicos, tomada pelo lixo nas ruas, vias esburacadas e sem pavimentação, sem iluminação pública de qualidade, segurança pública precária, obras inacabadas, salários em constante atraso, baixo investimento em cultura e turismo, sem políticas públicas para os indígenas, dentre outras áreas desassistidas totalmente pelas gestões anteriores. Vale ressaltar que os dados utilizados na matéria sobre desemprego se referem ao período anterior a atual gestão”, afirma a nota.

*Nomes trocados para preservar a identidade das entrevistadas. // *Matéria atualizada às 17h15 do dia 6 de março para inclusão de posicionamento do município de Atalaia do Norte.

Edição: Lílian Beraldo

Fonte: EBC

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Tarifaço: Missão empresarial aos EUA foi “positiva”, avalia presidente da CNI

Para Ricardo Alban, encontros em Washington (EUA) abriram espaço para negociações; dirigente aponta setores estratégicos para futuras parcerias bilaterais

Tarifaço: Missão empresarial aos EUA foi “positiva”, avalia presidente da CNI

A missão empresarial da Confederação Nacional da Indústria (CNI) aos Estados Unidos foi concluída nesta quinta-feira (4), em Washington, com avaliação positiva por parte do presidente da entidade, Ricardo Alban. Segundo ele, os encontros abriram espaço para negociações que podem contribuir para reduzir ou flexibilizar as tarifas impostas às exportações brasileiras.

“Faço um balanço muito positivo. Resumindo em duas palavras: missão cumprida”, declarou Alban. Mas, o dirigente completa que ainda há trabalho a ser feito. “A missão continua. Realizamos um trabalho de diplomacia empresarial, que garante as soluções de continuidade necessárias. [Nosso papel] É sermos facilitadores de uma mesa de negociação, seja para [discutir] redução de tarifas, para exceções ou para novas oportunidades”, relatou.

Entre os temas apresentados pela CNI aos norte-americanos estão projetos de produção de Combustível Sustentável da Aviação (SAF), uso da energia renovável brasileira para data centers e exploração de minerais críticos e terras raras. “Toda crise gera desafios. Todos os desafios geram oportunidade. Dentro desse conceito, trouxemos nesta missão três segmentos que podem ser explorados, que são de fortes interesses mútuos”, destacou o presidente da CNI.

Três dias de negociações

A comitiva reuniu 130 empresários, dirigentes de federações estaduais e líderes de associações industriais dos setores mais afetados pelo tarifaço. Ao longo de três dias, participaram de encontros com parlamentares, representantes do governo norte-americano e empresários locais, além da embaixadora do Brasil nos EUA, Maria Cecília Ribeiro Viotti.

O embaixador Roberto Azevêdo, consultor da CNI, representou a entidade na audiência pública do Escritório do Representante Comercial dos EUA (USTR), que investiga práticas comerciais brasileiras. “Ficou evidente que o papel do setor privado é muito importante, sobretudo fazendo contatos com as congêneres americanas. Esse diálogo que nós mantivemos foi muito importante para identificar as sinergias que existem entre os setores produtivos do Brasil e dos Estados Unidos”, avaliou Azevêdo.

Dados da confederação revelam que as tarifas adicionais impostas pelos Estados Unidos impactam cerca de US$ 33 bilhões das exportações brasileiras, em 6 mil produtos. O aumento atinge todos os setores da indústria de transformação, exceto coque, derivados de petróleo e biocombustíveis.

Relação estratégica

Brasil e Estados Unidos mantêm uma parceria econômica sólida, construída ao longo de mais de 200 anos. Segundo a CNI, nos últimos dez anos, os EUA acumularam um superávit de US$ 91,2 bilhões no comércio de bens com o Brasil, valor que chega a US$ 256,9 bilhões quando incluídos os serviços.

Além disso, a entidade destaca outros resultados gerados pela parceria econômica entre Brasil e EUA:

  • Mais de 70% das importações brasileiras dos EUA estão livres de tarifas, beneficiando setores como petróleo, fertilizantes e aviação;
  • Em 2024, 11 estados norte-americanos importaram mais de US$ 1 bilhão em produtos brasileiros, com destaque para Califórnia, Flórida, Texas e Nova Iorque.

A parceria também é reforçada pelos investimentos. Entre 2013 e 2023, os EUA foram o principal destino de projetos greenfield brasileiros (aqueles em que empresas estrangeiras iniciam operações no território nacional, a partir do zero), com 142 implantações produtivas anunciadas.

Tarifas “inviáveis”

Entre os setores mais afetados da indústria nacional, o de máquinas e equipamentos já sente os efeitos da tarifa de 50% imposta pelos EUA. De acordo com a diretora-executiva de Mercado Externo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Patrícia Gomes, a situação ameaça diretamente a competitividade das empresas brasileiras.

“A tarifa praticada atualmente já é inviável para os exportadores. Acho que o aumento não vai mudar o status, os 50% já são inviáveis para a relação de comércio com os Estados Unidos. Já vemos as empresas com contratos suspensos, com revisão de contratos ou que já estão recolhendo a tarifa, a depender da negociação feita com o cliente, ou até mesmo postergação de entregas. Então, as empresas que exportam já percebem o impacto da tarifa nos seus negócios em relação às exportações”, afirmou Patrícia Gomes, uma das participantes da missão.

A representante relata que a entidade tem atuado em duas frentes: buscar medidas junto ao governo brasileiro – como linhas de crédito, capital de giro e postergação de tributos – e manter o diálogo com os americanos para tentar reduzir as alíquotas. “O que temos de fato solicitado ao governo é continuar buscando a negociação com o governo americano, para termos redução da tarifa ou exceção de produtos do setor, para viabilizarmos o comércio com os Estados Unidos. Esse é o principal objetivo para garantirmos uma competitividade do setor”, pontuou.

Para a Abimaq, a participação na missão organizada pela CNI amplia as oportunidades de aproximação com o setor privado norte-americano, parlamentares e autoridades. “É uma primeira ação – de muitas – que o setor empresarial brasileiro terá que fazer para reduzir a tarifa a um patamar executável, para o setor industrial conseguir exportar e conseguir restabelecer uma relação comercial produtiva com os Estados Unidos”, concluiu a diretora-executiva da associação.

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Tarifaço: “Empresas americanas se beneficiaram das políticas brasileiras”, afirma embaixador Roberto Azevêdo em audiência nos EUA

Em pronunciamento no Escritório do Representante Comercial dos EUA, consultor da CNI afirmou que não há evidências de políticas ou práticas brasileiras que prejudiquem empresas americanas e pediu mais cooperação entre os dois países

Tarifaço: “Empresas americanas se beneficiaram das políticas brasileiras”, afirma embaixador Roberto Azevêdo em audiência nos EUA

O embaixador Roberto Azevêdo, consultor da Confederação Nacional da Indústria (CNI), fez a defesa da indústria brasileira durante audiência pública no Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR), nesta quarta-feira (3). A sessão faz parte da investigação aberta em julho com base na Seção 301 da Lei de Comércio norte-americana, que analisa se atos ou práticas de outros países são injustificáveis ou restritivas ao comércio dos EUA.

Na sustentação oral, Azevêdo afirmou que os comentários já enviados pela CNI demonstram de forma clara que o Brasil não adota medidas discriminatórias ou prejudiciais. “A noção de que o Brasil está agindo deliberadamente de forma a prejudicar os Estados Unidos é totalmente infundada. Simplesmente não há evidências de que os atos, políticas e práticas em questão discriminem ou prejudiquem injustamente as empresas americanas. Ao contrário, os fatos mostram que as empresas americanas, em geral, se beneficiaram das políticas brasileiras”, destacou.

A investigação norte-americana envolve seis áreas: comércio digital, meios de pagamento eletrônico, tarifas preferenciais, propriedade intelectual, mercado de etanol e questões ambientais, como o desmatamento ilegal. Em seu pronunciamento, Azevêdo apresentou argumentos sobre cada um dos pontos e reforçou que o Brasil tem avançado em marcos regulatórios, combate à corrupção, proteção ambiental e garantias jurídicas.

Na audiência, embaixador Roberto Azevêdo também ressaltou a relevância estratégica da relação bilateral. “Somos as duas maiores democracias deste hemisfério. Deveríamos estar conversando um com o outro, não brigando um com o outro. Quaisquer problemas devem ser resolvidos por meio de diálogo e cooperação contínuos. A CNI apoia iniciativas que fortaleçam os laços entre os Estados Unidos e o Brasil, promovam o crescimento econômico e melhorem as condições de mercado em ambos os países”, afirmou.

O presidente da entidade, Ricardo Alban, ressaltou que os principais argumentos da confederação para as acusações são os fatos. “No caso do etanol, temos uma relação de muitos anos, somos os dois maiores produtores do mundo. Hoje, o etanol é uma grande matéria-prima para a produção do SAF [Combustível Sustentável de Aviação]. Temos que desmistificar também os problemas do desmatamento, dos meios de pagamento – no caso do PIX –, desmistificar o problema de talvez nós não termos as devidas cobranças na parte do Judiciário e mais outros pontos comerciais que são importantes para que a gente possa ter realmente a explicação baseada sempre em elementos, em estatísticas, na condição econômica e comercial.”

Missão empresarial

A audiência pública no Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos compõe a agenda da missão empresarial liderada pela CNI a Washington. O objetivo é abrir canais de diálogo e contribuir com as negociações para reverter ou reduzir o tarifaço imposto pelos Estados Unidos sobre produtos brasileiros. A comitiva reúne cerca de 130 empresários, dirigentes de federações estaduais e representantes de associações industriais.

A agenda vai até esta quinta-feira (4), com reuniões no Capitólio, encontros bilaterais com instituições parceiras, plenária com representantes do setor público e privado dos dois países.

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CNI lidera missão empresarial aos EUA para negociar tarifaço

Comitiva de 130 empresários e líderes setoriais participa de encontros em Washington para buscar a reversão das tarifas adicionais de até 50% aplicadas a produtos brasileiros

CNI lidera missão empresarial aos EUA para negociar tarifaço

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) lidera, nesta quarta (3) e quinta-feira (4), uma missão empresarial a Washington (EUA), com o objetivo de abrir canais de diálogo e contribuir com as negociações para reverter ou reduzir o tarifaço imposto pelos Estados Unidos sobre produtos brasileiros. A comitiva reúne cerca de 130 empresários, dirigentes de federações estaduais e representantes de associações industriais.

A agenda inclui reuniões no Capitólio, encontros bilaterais com instituições parceiras, plenária com representantes do setor público e privado dos dois países e audiência pública na US International Trade Commission, no âmbito da investigação aberta pelo governo americano contra o Brasil, com base na Seção 301 da Lei de Comércio de 1974. O processo avalia práticas comerciais em áreas como comércio digital, serviços de pagamento, tarifas preferenciais, etanol e questões ambientais.

“Estamos trabalhando de forma profissional, eminentemente de forma particular, privada e empresarial. Nesse momento, é muito delicado que nós possamos ter qualquer vontade ou qualquer determinação de aplicar a lei da reciprocidade. Temos momentos tensos, na geopolítica, mas o que nós queremos mesmo é que não seja precipitada nenhuma decisão em que possamos ter essa tratativa e a busca do bom senso”, declarou o presidente da CNI, Ricardo Alban.

Entre os setores mais afetados pelo tarifaço e que estarão representados na missão estão máquinas e equipamentos, madeira, café, cerâmica, alumínio, carnes e couro. Grandes empresas como Embraer, Stefanini, Novelis, Siemens Energy e Tupy também integram a comitiva.

A comitiva conta com a participação de dirigentes de oito federações estaduais da indústria: Goiás (FIEG), Minas Gerais (FIEMG), Paraíba (FIEPB), Paraná (FIEP), Rio de Janeiro (FIRJAN), Rio Grande do Norte (FIERN), Santa Catarina (FIESC) e São Paulo (FIESP).

Investigação das práticas comerciais entre Brasil e EUA

No dia 3 de setembro, a CNI, representada pelo embaixador Roberto Azevêdo, participará de uma audiência pública no âmbito da investigação conduzida pelo Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR). O processo foi aberto com base na Seção 301 da Lei de Comércio, que autoriza o governo norte-americano a apurar se políticas ou práticas de outros países configuram barreiras injustas, discriminatórias ou restritivas ao comércio dos EUA.

Os EUA abriram investigação contra o Brasil em julho, englobando temas como comércio digital, serviços de pagamento eletrônico, tarifas preferenciais, propriedade intelectual, acesso ao mercado de etanol e questões ambientais, incluindo desmatamento ilegal.

A CNI, como representante oficial da indústria nacional, apresentou defesa técnica, afirmando que o Brasil não adota práticas desleais ou discriminatórias capazes de prejudicar a competitividade das empresas norte-americanas. A entidade ressalta que não há fundamento jurídico ou factual para justificar novas tarifas e lembra que o comércio bilateral é historicamente benéfico para ambos os países, com superávit para os EUA e tarifas em níveis baixos.

A entidade também reforça que medidas unilaterais enfraquecem a parceria estratégica construída ao longo de décadas e defende que as divergências sejam tratadas por meio de diálogo bilateral e cooperação técnica, considerados pela entidade como os caminhos mais eficazes para alcançar resultados de interesse comum.

Impactos econômicos

Estudos da CNI já alertaram que as tarifas adicionais podem gerar um impacto negativo de até R$ 20 bilhões no PIB brasileiro e a perda de 30 mil empregos. Atualmente, 77,8% da pauta exportadora brasileira para os EUA enfrentam sobretaxas, atingindo principalmente setores de vestuário, máquinas e equipamentos e produtos têxteis.

Mesmo com a pressão gerada pelo cenário político, Alban busca equilíbrio para o Brasil não perder a razão nas negociações. “Óbvio que o cenário não é tão favorável, que nós temos muitas pressões, mas precisamos ter um conceito, soberania também tem a ver com o bem-estar de todos, com o bem-estar da sociedade, com o bem-estar do setor produtivo. Isso não significa, de modo nenhum, perder a soberania, mas não vamos perder a razão”, pontuou.

Para mitigar os efeitos da crise no Brasil, a CNI também entregou ao governo federal um conjunto de propostas que inclui linhas de crédito subsidiadas, postergação de tributos e medidas trabalhistas para preservação de empregos.

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